Ele poderia ser seu filho

falta de concentração, próximas à família, Todo mundo,

caso-bernardo.300x200Negligenciado pelo próprio pai, Bernardo, de 11 anos, pediu socorro, mas ninguém escutou

Uma criança sem mãe, um pai ausente e uma madrasta que o odiava. Esses foram os personagens de uma história triste e que teve um desfecho trágico. Bernardo Uglione Boldrini tinha apenas 11 anos e procurava desesperadamente mais atenção, mais carinho e mais amor daqueles que deveriam protegê-lo. No lugar disso, foi cruelmente assassinado.

O caso chocou o País, a Justiça e os moradores da pequena cidade de Três Passos, interior do Rio Grande do Sul, município no qual a família Boldrini vivia e onde todos sabiam dos episódios de abandono e descaso do renomado médico-cirurgião Leandro Boldrini, de 38 anos, e de sua esposa, a enfermeira Graciele Ugolini, de 32 anos, com relação ao filho mais velho dele, fruto do seu primeiro casamento. Todo mundo conhecia os problemas que ele enfrentava, no entanto, ninguém jamais seria capaz de imaginar o que aconteceria com a criança.

Bernardo foi assassinado com uma injeção letal no dia 4 de abril. Dez dias depois, seu corpo foi encontrado enterrado em uma cova na cidade de Frederico Westphalen, que fica a 90 quilômetros da cidade onde morava, Três Passos. Até o fechamento desta edição, o inquérito ainda não havia sido concluído e, por enquanto, a madrasta de Bernardo é a principal suspeita. Em depoimento à polícia, no último dia 30, ela confessou que teve participação na morte do enteado, mas que teria sido acidental. Segundo Graciele, ela teria errado a dose de medicamento. No mesmo depoimento, ela isentou o pai do menino de qualquer envolvimento no episódio. A delegada que acompanha o caso, Caroline Machado, declarou em entrevista não ter dúvidas sobre a autoria do crime: para ela, Bernardo foi assassinado pela madrasta, com o auxílio de uma amiga, a assistente social Edelvânia Wirganovicz, de 40 anos, que teria recebido R$ 6 mil, do total de R$ 20 mil que Graciele havia combinado com ela como pagamento para ajudá-la a esconder o corpo do menino. Os três suspeitos estão presos, enquanto aguardam o julgamento. Edelvânia confessou o crime e ajudou a polícia a localizar o corpo, mas Leandro e Graciele negam qualquer envolvimento ou participação no desaparecimento e na morte de Bernardo.

pai-de-bernardo.300x200A história de Bernardo é feita de tantos capítulos tristes que faz o conto de Cinderela, personagem que também era odiada, rejeitada e maltratada pela madrasta, parecer fichinha. Em 2010, quando ele tinha apenas 7 anos, sua mãe, Odilaine Uglione, foi encontrada morta com um tiro na cabeça dentro da clínica de seu pai, um caso de aparente suicídio, que nunca convenceu a família dela. O advogado da família dela já anunciou que pedirá a reabertura do inquérito.

Contudo, Leandro parece ter encarado bem a morte da ex-esposa, tanto que, um mês depois, ele já estava morando com a enfermeira Graciele, que, na época, era secretária de sua clínica. Uma amiga dela revelou que Graciele sempre desejou se casar com um médico, sonho que ela conseguiu realizar à custa de um pesadelo instaurado na vida de Bernardo. Carmina Negrini, vizinha da família Boldrini relata que Bernardo vivia de casa em casa. “Em um dia frio, ele estava do lado de fora da casa calçando apenas um chinelo de dedo”, contou em entrevista à “Veja”.

Ele pediu socorro sozinho

pericia-bernardo.300x200Bernardo chegou a procurar o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do fórum de sua cidade, onde ele foi ouvido pela promotora da Infância e da Juventude Dinamárcia Maciel. Pediu a ela uma nova família: “Ninguém me dá bola, eu quero uma família que cuide de mim”. A promotora procurou então a família indicada por Bernardo para adotá-lo, mas ela recusou por não querer gerar conflito com o pai do menino. O juiz Fernando Vieira Santos decidiu então dar uma nova chance ao pai de Bernardo. A criança havia feito três pedidos: a chave de casa, já que ele sempre ficava trancado para fora, mais contato com a irmã de apenas 1 ano, fruto do casamento do pai com Graciele, e um bichinho de estimação, terminantemente proibido pela madrasta. Leandro recebeu então um prazo de 90 dias para se acertar com o filho e no dia 13 de maio eles teriam uma audiência marcada com o mesmo juiz. Bernardo morreu faltando pouco mais de um mês para esse prazo expirar.

Ainda é cedo para afirmar se o pai é ou não culpado pela morte do filho e o que teria motivado o crime. No entanto, de acordo com o depoimento de colegas de Bernardo, de vizinhos e de pessoas próximas à família, o pai é culpado por ter sido negligente. Mesmo com tanta indiferença, a criança nunca deixou de tentar fazer parte daquela família que parecia não querê-lo: a escola onde ele estudava divulgou um vídeo do Dia das Mães no qual Bernardo aparece segurando um cartaz com o nome Keli, como Graciele era conhecida, envolto por corações, homenageando a madrasta no lugar da mãe biológica. No ano passado, uma cartinha de Bernardo foi publicada em um jornal local em uma seção infantil, na qual ele declara sua vontade de ser médico como o pai, seu herói.

Infelizmente, não foi apenas Bernardo que conheceu os dissabores da falta do amor paterno. De acordo com o Sistema de Informações para Infância e Adolescência, a negligência familiar é o assunto que encabeça o ranking das denúncias sobre violações dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes em todo o País. Dos 28.465 casos levados às delegacias do conselho tutelar, 13.218 revelam negligência dos pais.

Ela superou

superou-o-trauma.300x200O abandono é uma dor que deixa feridas permanentes. E quem conhece bem o drama de ter crescido sem o amor dos pais é a juíza inglesa Constance Briscoe, autora do livro “Feia – A História Real de uma Infância sem Amor”, lançado no Brasil pela editora Bertrand. Em seu livro, ela relata: “Entreguei a minha fotografia tirada na escola para minha mãe. Ela olhava da fotografia para mim, de mim para a fotografia. Então disse: ‘Meu Deus, como ela pode ser tão feia. Feia. Feia”. Ela ainda relata como a mãe foi violenta e a espancava. Na infância, ela desenvolveu caroços nos seios por conta dos beliscões que a mãe dava em seus mamilos. Aos 13 anos, foi abandonada à própria sorte. Como Bernardo, ela procurou diversas vezes ajuda em tribunais de sua cidade, mas nunca foi ouvida. Mas, mesmo assim, Constance utilizou sua dor para construir uma história impressionante, se formou em Direito e se tornou juíza e o principal é que se considera hoje uma boa mãe. “Meus filhos são compreensivos e têm um enorme orgulho e respeito pela mãe deles que veio do nada, começou do zero e venceu. Nunca bati neles, eles cresceram com espaço e apoio para se tornarem as pessoas que desejam ser”, compartilhou Constance em entrevista durante sua passagem pelo Brasil em 2010.

Para a psicopedagoga, professora e historiadora Aline Marks, a atenção e o carinho na infância são fundamentais para qualquer indivíduo. “Para que as crianças cresçam e se desenvolvam adequadamente é preciso que os pais se conscientizem da importância da atenção, do carinho, afeto e diálogo que os filhos necessitam. Encontrar tempo para dedicar atenção às crianças é mais fácil do que lidar com adolescentes viciados, depressivos ou em perigo no futuro”, diz.

Denuncie pais negligentes

enterro-de-bernardo.300x200O número de ocorrências de casos de descaso e abandono dos pais tem crescido muito. Se você presenciar ou desconfiar que algum menor de idade sofre com o descaso dos pais, denuncie pelo serviço Disque 100, um número da Secretaria dos Direitos Humanos para a Proteção da Criança e do Adolescente. O serviço funciona diariamente das 8 horas às 22 horas, inclusive nos fins de semana e feriados

Identifique uma criança negligenciada

De acordo com a psicopedagoga Aline Marks, a criança apresenta alguns indícios de que sofre maus-tratos. Obervar as crianças e seu comportamento é fundamental para identificar uma situação de negligência parental

Físicas: dores de cabeça, dores abdominais sem causa aparente, disfunções alimentares, cansaço excessivo, agitação, transtornos do sono (pesadelos, terrores noturnos)

Comportamentais: agressividade, retração social, resistência ou submissão demasiada a autoridades, desânimo, mentiras, fugas de casa e da escola e delinquência

Na aprendizagem: regressão cognitiva (age como uma criança mais nova), dificuldades de aprendizagem, falta de concentração e desinteresse

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